domingo, 18 de outubro de 2009

abri a bolsa, o estojo estava jogado em algum lugar e eu quase o alcancei com a mão esquerda, a bolsa exalava o odor de cigarros consumidos - fedia -, consequência da mania inútil de jogar as bitucas na bolsa e não no chão, e nem sempre é assim, o que ainda torna esse odor mais angustiante, o que por sua vez me faz pensar se não é esse o cheiro que exalo pela boca, seria terrível se fosse e só consigo pensar que deve ser análogo a isso, pego também a carteira de cigarro e o fósforo, eu uso fósforos agora, estou cansada de perder os isqueiros e de ficar observando quem fuma para pedir que acenda meu cigarro quando já deveria estar acabando de consumi-lo.
alcancei, o estojo, a carteira e a caixa de fósforo.
dois lápis grafites, menos de duas dezenas de lápis coloridos, algumas cores repetidas
em tamanhos diferentes, alguns sem ponta, uma borracha e o apontador.
sem episódio, rabisquei o papel sem dá-lo forma, ou sombra, ou profundidade, ou risco...
As pessoas vagam nos meus aforismos.
Observei que o lápis estava solto, com cavidades internas não preenchidas, o que o fazia dançar livre por dentro do revestimento...
Quando se quebra a ponta, instala-se um espaço oco dentro, curto e visível, mas não era assim, só a ponta, estava por inteiro solto, pensei ser esse o motivo do desenho vago, era culpa do lápis
peguei outro, para minha surpresa padecia da mesma distorção, e todos os outros estavam assim
Decidi solta-los, para alguns não foi preciso muito empenho, ao tocar na ponta e puxá-los, eles foram se lançando para fora, deslizando pela carcaça, os sem ponta causaram-me mais dificuldades, precisei colocar a ponta oca na minha boca e sugar forte o ar, após o primeiro chegar com tamanha força a minha garganta, quase impulsionando o vômito, me ative que não necessitava tamanho entusiasmo, tratava-se de sugar devagar sentindo a ponta tocar a metade de língua, feito isso, deslizaria facilmente.
os coloridos
os grafites
me dei conta que não mais usaria a apontador, não mais ficaria minutos delicadamente apontando um lápis e ele quebraria, me obrigando a refazer todo o caminho, com ainda mais cuidado.
acendi um cigarro, fiquei olhando a folha, antes de tragar coloquei a mão sob a boca, assoprei e puxei vagarosamente o ar pelo nariz, o comparando ao cheiro da minha bolsa.
não era fácil usar o lapis nu, fino, delicado... o medo de quebrá-lo era recorrente.
rabisquei... rabisquei a folha incontáveis vezes, livremente.
parei
coloquei os lápis novamente no estojo e os joguei na bolsa
pensei, agora eles se quebrariam com mais facilidade, eu deveria ter mais cuidado ao usar a bolsa, ou jogá-la no chão, ou na mesa, ou me encostar nela na cadeira do ônibus , ou se ... ou não deveria ter tirado a proteção.
abri a bolsa, peguei novamente o estojo, abri, tentei colocá-los novamente, um a um nas carcaças que estavam sobre a mesa, elas entravam facilmente, mas nao permaneciam.
comecei então a quebrá-los em múltiplos pedaços, antes que sozinhos em minhas andanças se quebrassem.
devolvi os grafites e os coloridos para o estojo, agora em muitas dezenas, continuei usando o resto para rabiscar
por fim, tudo voltou para a bolsa
os grafites, os coloridos, as carcaças, a borracha que não consumi e o apontador que não mais usaria, o cigaro e a caixa de fósforo.
olhei fixamente a folha sozinha na mesa
consegui alcançar o rabisco
no avesso profundo dos traços em branco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário